Ir e voltar - .

30 agosto 2019

Ir e voltar



Tenho a sorte de poder sair de Portugal com alguma frequência e, sempre que viajo, costumo fazer o exercício de pensar como seria viver na cidade X. Enumero  as vantagens, peso as desvantagens e sinto vontade de, mais dia menos dia, quando os filhos mais crescidos estiverem,  sair por mais do que duas ou três semanas.
Este mês estive em  Bratislava pela quarta vez. Entre um Dobré ráno [i]e um Ďakuje[ii]m tentei fazer a minha vidinha como se eu não estivesse apenas de visita. Fui aos mesmos  supermercados que os eslovacos vão, caminhei quilómetros nas pistas que existem para o efeito, banhei-me nos lagos em vez de ir à praia, remexi prateleiras nas lojas de roupa em segunda mão, tentei falar mais baixinho e deliciei-me com o silêncio dos locais públicos (a cada dia me sabe melhor entrar num sítio cheio de gente e não ouvir muito barulho).
Senti falta da minha cadela, dos meus familiares mais próximos e de alguns amigos. Salivei por peixe que é muito caro em terras eslovacas, queixei-me um bocadinho das altas temperaturas que se fizeram sentir e que me fizeram transpirar tanto que pensei que fosse a menopausa a chegar!

Mas regressei à minha casa branca, onde moram  os azulejos e a mobília que escolhi, onde as divisões estão cheias de memórias…  Quando eu absorta  pensava que talvez não fosse infeliz se não tivesse regressado (desde que tivesse o Luís e os meus filhos por perto), ouvi tocar a campainha.

Levantei-me um bocadinho a custo e fui abrir a porta. Do outro lado, com um saquinho de feijão verde tenrinho acabado de apanhar na mão e beijinhos repenicados para me oferecer, estava a Ti Joaquina- a melhor das vizinhas- a saudar-me, a estender-me os braços, a dizer-me que todos os dias olhava para a minha casa a ver se eu já voltara e, sem o saber, a fazer-me compreender que o meu lugar (ainda) é nesta rua de dez casas onde moro.


[i]  Bom dia
[ii] Obrigado

Texto publicado em agosto de 2019 no jornal "Maceira à letra"

1 comentário:

  1. Entrei nesta assoalhada dei uma volta com os olhos de ler e concluí: que bem pintada está! Parece-me que já aqui estive...
    Tem perto e tem longe, afecto e aventura para quem sabe estar nas nuvens com os pés no chão.
    E o segredo para isso é ter o querer guardado na mão.
    Felicidades.

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