Os heróis vivem na casa ao lado - .

21 fevereiro 2018

Os heróis vivem na casa ao lado


Muitas pessoas mandaram mensagem para eu publicar o texto que eu escrevi para o jornal local.
Devo acrescentar que o visado gostou muito, mesmo tendo chorado um bocadinho quando, em voz alta, lho leram no café da minha aldeia.

Os heróis vivem na casa ao lado

Para algumas pessoas os heróis são cantores de baladas, para os mais novos talvez sejam  youtubers, para outros talvez sejam quem conduz o carro mais veloz. Quanto a mim, sempre procurei (e encontrei, heróis que vivem mesmo ao meu lado.

O herói da minha crónica de hoje chama-se António, conduz um carro já antigo ou uma bicicleta, não usa capa nem espada, nunca foi condecorado nem teve louvores oficiais e dificilmente terá a sua história de vida registada em película cinematográfica. 

O António, que partilha comigo o apelido mesmo não sendo da minha família, mas que é mais conhecido como Tóino da Raquel, é um homem que nasceu na minha aldeia há mais de oitenta anos e que perdeu quem lhe deu vida pouco depois de nascer, uma vez que a sua mãe foi assassinada por uma ciumenta mulher da aldeia vizinha.

Este início de vida trágico, digno de novela, poderia ter entristecido para sempre o António. Contudo, a resiliência e a força do querer fizeram com que ele escolhesse enfrentar a vida com sorrisos e gargalhadas. E é com uma gargalhada comovedora que ele me conta que conheceu os seios de muitas mulheres da aldeia pois foi assim que, alimentado ao peito, com poucos dias de existência, foi sobrevivendo numa época em que leite em pó e biberões não se conjugavam com a vida de uma aldeia dos anos trinta.

Descalço, com tenra idade, caminhou para a Marinha Grande, fez-se mestre fazendo da areia cavalinhos e copos de vidro colorido e fez-se homem também. Mais tarde, emigrou para a Alemanha com a sua Raquel que lhe deu o acrescento ao nome e três filhos. Voltou há uns anos para a aldeia de menino, sem ressentimentos, sem mágoas, com um sorriso franco, generoso, em paz. Joga as cartas, distribui piropos, anda na natação,é bailarino exímio, perfuma-se e inspira-me. É que ele nunca deixou que a falta de colo e a infância marcada pela fatalidade lhe marcassem o percurso e a bondade com que trata os outros.  
E é por isto, que pode parecer tão pouco, mas que para mim é tanto, que o Tóino da Raquel é um herói. Um herói que vive em mim, que irrompe no meu pensamento quando o desânimo me assalta e que me faz querer ser, a cada dia, uma mulher mais agradecida pelos heróis de carne e osso de que a minha vida está cheia.

12 comentários:

  1. Adorei o texto! Parabéns!
    Beijinho

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  2. Amei o texto e o Sr. António merece. Acredito que a gentileza enaltece o ser humano, mas parece que muitas pessoas perderam esta capacidade ou nunca aprenderem a ser gentis. Na minha humilde opinião a vida é curta demais para andarmos zangados, irritados e mal-dipostos. Como tu também tento ser grata pir tudo o que sou e tudo o que a vida me proporciona, embora com momentos menos gratos, pois nem sempre conseguimos ser a nossa melhor versão. 💖

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    1. Sei bem que o és. O teu sorriso sempre presente é maravilhoso.
      Beijinhos

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    2. Obrigada linda Sofia. Beijinhos doces.

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  3. São heróis como o descrito que sustentam o mundo.
    Gostei da crónica.

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    1. Obrigada, Agostinho. Fico contente que tenhas gostado.
      Beijinhos

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  4. É muito bom recordar e dar valor à vida daqueles que muitas vezes nem reconhecem que são importantes, mas que tem tanto para contar e ensinar :)

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    1. E, às vezes, na correria, esquecemos, não é?
      Beijinhos

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    2. E, às vezes, na correria dos dias, esquecemos, não é?
      Beijinhos

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    3. É isso mesmo, mas não devíamos esquecer. Só temos a ganhar se conseguirmos parar e ouvir o que os outros têm para nos contar.

      Beijinhos

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  5. Belo texto, Parabéns!

    SJ

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