Já há uns tempos que não escrevia nada para o jornal Região de Leiria. No mês passado, desafiaram-me a escrever um conto de Natal. Com prazo apertado e entre montanhas de testes para corrigir, saiu assim. E, porque é Natal sempre que quisermos, aqui o deixo com uma pergunta: Nota-se muito o quão romântica sou?
O N@tal acontece!
Vinte gostos. Nada mau em dez minutos. Inês tinha acabado de
publicar uma foto do arroz doce que a mãe fizera e que tinha um ótimo aspeto.
Não que lhe tivesse tocado, já tinha comido duas filhós e parecia até que já
sentia as calças mais justas.
- Ó filha, mas estás tão magrinha…-dizia-lhe a mãe com os
olhos húmidos de carinho.
Estava ótima. E depois, se não estivesse, como é que se
conseguiria ver nas fotos que o Ginásio da cidade publicava com regularidade? O
esforço teria de compensar.
- Anda cá, mãe. Vamos tirar uma selfie!
Já está. “Eu e a minha guerreira”- escreveu, pensando que ficava
sempre bem mostrar a admiração pela mãe, mesmo que não entendesse como podia
ela não se importar em passar a vida a tomar conta dos outros, parecendo esquecer-se
dela própria. Mesmo que lhe fosse difícil perceber como podia a mãe ter um
sorriso puro e sincero de felicidade. A mãe sorria tanto de quê, afinal? E como
é que ela conseguia ainda rir-se das piadas previsíveis do pai? Como é que ela
ainda corava quando o pai gabava os seus talentos culinários? E como é que era
possível que eles resmungassem tanto, mas parecessem ser, efetivamente, felizes
um com o outro?
Estava online o João, a perguntar-lhe como estava. Iria ignorá-lo.
Afinal, no perfil era uma coisa e ao vivo tinha-se mostrado mais anafado, mais
careca, mais do mesmo. Não iria por aí. Queria era o António, mas esse estava
indisponível. O António também a queria, sentia-o bem…o problema era que não a
queria só a ela e ela sabia que, apesar de gostar de partilhar histórias, não
lhe apetecia partilhar pessoas.
Meia-noite e ia embora. Já não aguentava mais família, mais
histórias de quando ela e o irmão eram pequeninos, mais vamos fazer de conta que
somos felizes porque é Natal.
Meia-noite e dois minutos e saiu. Tinha o T0 à sua espera. O
espaço era pequeno, mas a zona era agradável e também para que queria ela uma
casa grande se não recebia ninguém a não ser no seu ecrã? Entrou no prédio.
Cheirava a canela. Inspirou o cheiro e deu por ela a sorrir, lembrava-lhe o
cheiro da casa da mãe de onde acabara de sair.
- É por ser Natal que me está a oferecer esse sorriso?- ouviu
o vizinho solteirão a perguntar-lhe.
Ficou perplexa. Como ousava aquele tipo pacato, de óculos como
o poeta e ar meio apalermado meter-se com ela? No entanto, ao reparar na roupa
que ele trazia vestida, em que nada combinava com nada, não conseguiu deixar de
sorrir outra vez. Observou que nas mãos compridas ele segurava um livro. Reconheceu
a capa como uma das suas leituras, o título “Amor”.
Sorriu pela terceira vez. Até que o vizinho tinha graça. Era
de uma cidade diferente e deveria estar sozinho. Sem saber como, deu por si a
convidá-lo para entrar. Ele pareceu algo surpreendido, mas acedeu. Passaram a
noite de Natal a conversar e ela já não sorria apenas. Ela ria com gargalhadas cristalinas
e sentia uma estranha sensação a invadir-lhe o peito. Descalçou os sapatos
altos que lhe magoavam os pés e comoveu-se por sentir nela o olhar de anseio
dele. Sentia-se estranha, com o coração quente e em sobressalto. Era um
sentimento a que não estava habituada, era algo caloroso, era algo tão mágico
que nem sabia o nome…Sabia apenas que, pela primeira vez, não queria partilhar
nada no facebook.
Gostei mostrou o natal da família tradicional e o natal do dia a dia com os vizinhos, que são mas vezes mais família que a própria família.
ResponderEliminarVerdade, Isabel!
EliminarExcelente, nota 21.
ResponderEliminardevias escrever mais vezes mais contos.
beijocas
Vamos ver:)
EliminarBeijinhos